segunda-feira, 16 de março de 2009

Baderna cerebral

Sobre o que mesmo que eu quero escrever? Vou lembrar, só um pouquinho. Calma... Calminha... Espere um instante...

Lembrei. Quero escrever sobre uma piada que a cada dia se propaga mais entre as rodas de amigos. Pessoas trocam palavras, esquecem nomes, se perdem no meio das frases e, pra se justificar, dizem: é o “alemão” se manifestando.

Alemão é o apelido do Alzheimer, e quá quá quá, todos acham a maior graça da brincadeira, mas eu já não estou achando graça nenhuma.

Outro dia assisti na tevê a uma entrevista de um neurologista que dizia, entre outras coisas, que as mulheres têm uma memória melhor do que a dos homens. Estou em apuros. Comentei com uma amiga que está na hora de eu fazer uma vasculhagem cerebral, marcar meia dúzia de tomografias e enfrentar o diagnóstico, seja ele qual for. Ela comentou que sente vontade de fazer o mesmo, mas que não tem coragem, porque é certo que algum curto-circuito será detectado: não é possível tanto esquecimento, tanto branco, tanto abobamento. Acontece com ela, acontece comigo, e com você aposto que também, ou você não lembra? Alzheimer é doença séria, mas, que me conste, ainda não virou epidemia. O que vem sucedendo com todas (to-das!) as pessoas com quem converso é, provavelmente, uma reação espontânea a esse ritmo vertiginoso da vida e a esse turbilhão de informações que já não conseguimos processar. Chute meu, óbvio.

Meu diploma é de comunicadora, não de médica. Mas creio que o motivo passa por aí: nosso cérebro está sendo massacrado por uma avalanche de nomes, números, datas, rostos, fatos, cenas, frases, fotos, e isso só pode acabar em pane.

Coisa da idade? Então me explique o fenômeno que relatarei. Semana passada minha filha de 17 anos disse o seguinte: “Ontem a gente vai dormir na casa da Gabriela, mãe.” Ontem vocês irão onde, minha filha? Ela caiu na gargalhada. “Putz, quis dizer amanhã! Amanhã a gente vai dormir na casa da... ” Dezessete escassos aninhos e uma overdose de horas de navegação no mundo alucinógeno do MSN, MySpace, YouTube, Orkut e grande elenco. Só pode ser efeito colateral da informática, ou ela também já entrou pra turma das desvairadas? Pode ser apenas mal de família. É uma hipótese, porém, tenho reparado que é mal não só da minha, mas de todas as famílias do planeta Terra. O que é que está me escapando? Afora muitas palavras difíceis e também as fáceis, muitos verbos complicados e também os de uso contínuo, muitos nomes desconhecidos e também os de parentes em primeiro grau, nomes de cidades distantes e o da cidade em que me encontro agora — Porto o quê, mesmo? —, o que está me escapando é uma explicação decente.

O que é que está acontecendo com a gente?

(por Martha Medeiros, O Globo, 15/03/2009)

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